FUNDOS DE INVESTIMENTO: ASPECTOS PRÁTICOS

I – Introdução

O ser humano age com a finalidade de maximizar suas vantagens e seu bem-estar pessoal.[1] Em relação às finanças e aos investimentos, essa característica torna-se ainda mais evidente, eis que ele procura utilizar os recursos financeiros disponíveis, decorrentes da limitação de consumo, de modo a mantê-los e, se possível, multiplicá-los o máximo possível. Partindo da premissa da escassez, esses recursos deverão ser utilizados adequadamente para proporcionar facilidades e satisfações pessoais.

Com efeito, esses recursos financeiros podem ser aplicados de diversas formas, por intermédio de vários mecanismos. Pode-se, por exemplo, investi-los no desenvolvimento de atividade econômica por conta própria, ou por intermédio de uma pessoa jurídica da qual se seja sócio, ou mediante a participação em operações de intermediação financeira ou, ainda, em ativos minerais.

Portanto, o ser humano, ao decidir o que fazer com seus recursos financeiros disponíveis, analisará uma série de questões, especialmente aquelas atinentes à rentabilidade e aos riscos envolvidos. E, em regra, há uma relação diretamente proporcional entre a expectativa de rentabilidade e os riscos correlatos nas formas de investimento possíveis. Quanto maior a expectativa de rentabilidade, maiores também os respectivos riscos.

Em decorrência de um agir racional e com objetivo de realizar uma escolha eficiente, o investidor deverá optar por investimentos que, com os mesmos níveis de riscos, possuam maior expectativa de rentabilidade. Ou, com a mesma expectativa de rentabilidade, o investidor deverá optar pelo investimento que lhe oportunize menor exposição a riscos. Essa conjugação de risco e rentabilidade, regra geral, somente será possível mediante a diversificação dos ativos investidos, em consonância inclusive com a expressão “não se deve colocar todos os ovos na mesma cesta”.

Essa idéia de mensurar pontos ótimos de carteiras de investimento levou o economista norte-americano Harry Markowitz a desenvolver teoria acerca de uma eficiente diversificação de investimentos, segundo a qual com uma adequada seleção de portfolio, poder-se-ia alcançar uma carteira ótima de investimentos, considerando as premissas de expectativa de rentabilidade ou de disposição à assunção de riscos. Essas pesquisas e estudos de Markowitz, consubstanciados inicialmente pelo artigo Portfolio Selection (Seleção de Portfolio), publicado em 1952, impactaram de maneira determinante todas as análises financeiras e econômicas relacionadas a investimentos, além de proporcionarem ao autor o recebimento do Prêmio Nobel de Economia em 1990.[2]

Nesse contexto, ao longo dos últimos anos, em praticamente todos os países que possuem sistemas financeiros evoluídos, foram criados ou se consolidaram diferentes mecanismos de investimento coletivo visando a diversificação e a gestão dos riscos, dentre os quais se destacam os fundos de investimento.

O fundo de investimento permite a aplicação de pequenos volumes de recursos e proporciona o acesso a uma administração e gestão especializadas, constituindo-se, pois, em um dos mais notáveis e democráticos mecanismos de alocação de poupança dos investidores.[3] Dessa forma, estes, muitas vezes não afeitos à complexa dinâmica do mercado financeiro, optam pelos fundos com o intuito de conjugar seus recursos em busca de soluções de investimento seguras e que lhes proporcionem maior rentabilidade e liquidez.

 

II – Funcionamento e participantes

II.1- Funcionamento

Os fundos de investimento são espécie de mecanismos de investimento coletivo, que, mediante a diversificação da carteira de investimentos e administração especializada, objetivam diminuir o risco e propiciar aos investidores um retorno superior se comparado aos investimentos individualmente realizados.

Os fundos de investimento em geral são regulados pela Instrução Normativa nº 555 da CVM- Comissão de Valores Mobiliários.[4] Nos termos do art. 3º da referida instrução, “o fundo de investimento é uma comunhão de recursos, constituído sob a forma de condomínio, destinado à aplicação em ativos financeiros.”

Esses recursos, que são geridos pelo administrador e/ou gestor, são alocados nos ativos financeiros conforme a classe e os objetivos do fundo.[5] Há também outros agentes, que atuam com o fito de propiciar o regular funcionamento do fundo, como demonstra a figura abaixo:

No tocante à constituição, os fundos de investimento são constituídos mediante ato unilateral do administrador, que elabora e aprova o regulamento. Este documento disciplina as matérias relevantes para o funcionamento dos fundos de investimento, delimitando também os poderes do administrador. Dentre essas matérias, assume especial destaque a política de investimentos, eis que determina como serão aplicados os recursos do fundo, resguardando para que seja observado o objetivo dos investidores no tocante ao risco e à expectativa de rentabilidade.

Os fundos de investimento, por sua vez, podem ser divididos em abertos e fechados. Enquanto nos fundos abertos os cotistas podem requerer o resgate de suas cotas a qualquer tempo; nos fechados, as cotas somente poderão ser resgatadas ao final do prazo de duração. Por outro lado, as cotas dos fundos fechados poderiam, diferentemente das cotas dos fundos abertos, ser objeto de cessão voluntária, por intermédio de termo de cessão e transferência, ou por intermédio de bolsa de valores ou entidade de balcão organizado em que as cotas do fundo sejam admitidas à negociação.

 

II.2- O cotista

Os cotistas são os titulares das cotas do fundo, que correspondem a frações ideais do patrimônio total deste. As cotas devem ser nominativas e escriturais, e devem conferir, regra geral, os mesmos direitos e obrigações aos cotistas. Os direitos podem ser de natureza política (ex: participar e votar nas assembleias de cotistas, ter acesso a informações) ou patrimonial (ex: direito de participar da distribuição de resultados, direito de resgate nos fundos abertos). A titularidade da cota é comprovada pela inscrição do nome do titular no registro de cotistas do fundo.

Visto que o fundo de investimento não possui personalidade jurídica, os cotistas são efetivamente os proprietários de todo o patrimônio do fundo.[6] As cotas dos fundos de investimento representam bens do cotista, sendo suscetíveis de avaliação pecuniária. O valor de cada cota é calculado a partir da divisão do valor do patrimônio líquido total pelo número de cotas do fundo.

A assembleia geral de cotistas é a instância máxima de deliberação nos fundos de investimento. Os cotistas, reunidos em assembleia, são quem efetivamente possuem as prerrogativas que envolvem as principais questões relacionadas ao fundo, possuindo poderes para assegurar a consecução do seu objetivo e para que o fundo seja satisfatoriamente administrado.

Com efeito, os cotistas, como efetivos proprietários do patrimônio do fundo, de fato possuem as principais prerrogativas e poderes relativos ao funcionamento do fundo.

 

II.3- O administrador

O administrador, além de ser o responsável pela constituição do fundo, deve exercer todas as atividades relativas ao regular funcionamento e manutenção do fundo, observado o que a respeito dispuser as normas correspondentes e o regulamento. Trata-se, em verdade, de uma relação de fidúcia, pela qual o administrador presta serviços ao fundo e, indiretamente, aos cotistas.

Para o desempenho dessas atividades, poderão ser formados conselhos consultivos e/ou comitês técnicos ou de investimentos, cujos membros deverão ser remunerados pelo próprio administrador. As normas referentes ao funcionamento desses órgãos – tais como: atribuições, critérios e formas de composição e regras de deliberação – deverão ser previstas no regulamento.

Além disso, o administrador, enquanto representante do fundo, mediante prévia e criteriosa análise, pode contratar outros prestadores de serviços. Nesses contratos, que deverão ser mantidos pelos contratados e pelo administrador à disposição da CVM, este deverá figurar como interveniente anuente.

Em regra, a contratação desses terceiros é uma faculdade do administrador. Ademais, a contratação de terceiros pode ser interessante em razão da possível especialização dos terceiros contratados e da divisão de funções.

Vale ressaltar, ainda, que o administrador possui várias obrigações e responsabilidades perante os cotistas, incluindo a necessidade de gestão transparente, a prestação regular das contas e a obrigação de fiscalizar os terceiros que prestam serviços ao fundo.

 

II.4- O gestor               

A gestão da carteira de um fundo de investimento pode ser exercida pelo próprio administrador ou por intermédio de terceiros contratados, que podem ser pessoas naturais ou jurídicas, desde que autorizadas pela CVM para o desempenho de atividades de administração de carteira. A gestão consiste na escolha e na negociação, conforme a política de investimentos adotada, dos títulos e valores mobiliários que compõem o portfólio do fundo. Por isso, a rentabilidade e o resultado de um fundo de investimento estão estreitamente associados à competência do gestor. Ademais, compete ao gestor exercer o direito de voto decorrente dos ativos financeiros pertencentes ao fundo, observado o disposto na política de voto.

Nesse contexto, destacam-se as gestoras de recursos (assets managements), que são sociedades constituídas tendo por objeto especificamente a gestão de recursos de terceiros. Essas sociedades tendem a atuar em segmentos ou com tipos de ativos específicos, de acordo com os conhecimentos ou capacidades técnicas dos profissionais envolvidos.

A reputação dos gestores pode propiciar o sucesso de um fundo. Em se tratando de gestores com notória especialidade e experiências de sucesso, a tendência é que haja um maior número de investidores interessados em subscrever as cotas do fundo de investimento por ele gerido.

Em suma, a competência e expertise do gestor serão determinantes para o (in) sucesso do respectivo fundo de investimento.

 

II.5- O custodiante

Os ativos dos fundos de investimento, regra geral, devem ser custodiados e registrados em contas de depósito específicas. Há notória preocupação de que os ativos dos fundos estejam sob a guarda de uma instituição autorizada a prestar esses serviços. Essa instituição é o custodiante, que deverá ser obrigatoriamente contratado caso o administrador do fundo não seja credenciado para a prestação desse serviço. Compete também ao custodiante a execução das ordens do gestor e/ou administrador e a liquidação das operações financeiras.

A CVM imputa ao custodiante uma função de fiscalização parcial dos serviços do administrador, uma vez que determina que o custodiante não acate ordens que não sejam diretamente vinculadas às atividades do fundo. Destarte, a contratação de terceiros para a realização de atividades de custódia confere segurança para o investidor, pois consiste em mais uma garantia de que seus recursos estão sendo utilizados em operações estritamente relacionadas à atividade do fundo.

 

III – CONSIDERAÇÕES FINAIS

A realização de investimentos por intermédio dos fundos consiste em um fenômeno em franca expansão na realidade brasileira. Além dos aspectos econômico-financeiros, referentes à eficiência decorrente da alocação dos recursos por meio da diversificação, o fundo de investimento pode propiciar vantagens tributárias aos investidores, inclusive através de fundos exclusivos.

Ao lado disso, registra-se que o patrimônio do fundo é completamente segregado do patrimônio do administrador, não havendo, pois, o risco de contaminação por dívidas deste. Vale acrescentar que os fundos e os agentes envolvidos são regulados e fiscalizados pela CVM, o que confere maior segurança para os investidores em geral.

Portanto, tanto sob o viés econômico como sob o jurídico, o fundo de investimento representa um mecanismo de investimento bastante atrativo e seguro.

 

Artigo escrito por Mário Tavernard Martins de Carvalho

[1] Adam Smith ilustra bem esse pensamento ao dizer que “não é pela benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas sim do empenho deles em promover seu interesse pessoal”. Tradução livre de “It is not from the benevolence of the butcher, the brewer, or the baker, that we expect our dinner, but from the regard to their own interest.” (SMITH, Adam. An Inquiry into Nature and Cause of the Wealth of Nations. p. 12. Nova Iorque: Metalibri Digital Library, 2007).

[2] “A sacada mais famosa na história das finanças modernas e investimento apareceu em um breve artigo intitulado ‘Seleção de Portfolio’. Foi publicado na edição de março de 1952 na Revista de Finanças, cuja circulação era restrita ao campus. Seu autor era um desconhecido estudante de pós-graduação, de 25 anos, da Universidade de Chicago, chamado Harry Markowitz.(…) Os investidores enfrentam um especialmente cruel dilema, e que foi o que atraiu Markowitz. Ninguém se enriquece fazendo poupança. Assim, os investidores não podem esperar retornos satisfatórios a menos que estejam dispostos a aceitar os riscos envolvidos, e o risco significa a possibilidade de perder, em vez de ganhar. Como o velho ditado diz, quem não arrisca, não petisca. Mas quanto risco é necessário? Existe um método que pode ajudar a minimizar o risco de um investidor, maximizando os ganhos esperados? (…) A contribuição mais original de Markowitz foi sua insistência em distinguir entre o risco de uma ação individual e o grau de risco de um portfólio inteiro. O risco de uma carteira depende da co-variação das suas participações, e não do grau de risco médio dos investimentos em separado. ” Tradução livre de “The most famous insight in the history of modern finance and  investment appeared in a short paper titled “Portfolio Selection.” It was published in the March 1952 issue of the Journal of Finance, the only journal then in existence for scholars in the field. Its author was an unknown 25-year-graduate student from de University of Chicago, named Harry Markowitz. (…) Investors face an especially cruel trade-off, and that was what attracted Markowitz. Nobody gets rich squirreling money away in a saving account. So investors cannot hope to earn right returns unless they are willing to accept the risk involved, and risk means facing the possibility of losing rather than winning. As the old saw puts it, nothing ventured, nothing gained. But how much risk is necessary? Is there a method that can help an investor minimize risk while maximizing expected gains? (…) Markowitz most original contribution was his insistence of on distinguishing between the riskness of an individual stock and the riskiness of an entire portfolio. The riskness of a portfolio depends on the covariance of its holdings, not on the average riskness of the separate investments.” (BERNSTEIN, Peter L. Capital Ideas – The Improbable Origins of Modern Wall Street. p. 41, 43 e 54.  Hoboken: John Wiley & Sons, Inc., 2005).

[3] Conforme dados da Anbima, em março de 2019, os recursos aplicados em fundos de investimento no Brasil superavam 4,782 trilhões de reais. Disponível em <www.anbima.com.br>. Acesso em 03 mai 2019.

[4] Além dos fundos de investimento regulados pela IN 555, há outros fundos de investimento bastante utilizados, por exemplo: FIPs – Fundos de Investimento em Participações (IN 572), FIDCs – Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (INs 356 e 444) e FII – Fundos de Investimento Imobiliário (Lei nº 8.668/93 e IN 472).

[5] Nos termos do art. 108 da IN 555, os fundos são classificados em: (i) Fundo de Renda Fixa, (ii) Fundo de Ações, (iii) Fundo Multimercado, e (iv) Fundo Cambial.

[6] Considerando a edição da Medida Provisória nº 881, publicada em 30 de abril de 2019, chamada “MP da Liberdade Econômica”, o regulamento dos fundos poderá estabelecer a limitação de responsabilidade de cada condômino ao valor das suas cotas.